sábado, 27 de dezembro de 2014

O MENDIGO E A CAIXA D'ÁGUA

Morávamos em uma pequena cidade,na verdade era quase uma vila,com atividade predominantemente rural e com terras muito boas ao seu redor,o que fez com que fosse instalada na região uma usina de açúcar e álcool; que trouxe muitos empregos e desenvolvimento pra todos.
Com a chegada da usina houve a necessidade de contratar motoristas e por esse motivo boa parte dos tratoristas da região acabaram sendo transformados em motoristas de caminhão.Com o desenvolvimento vieram os benefícios,a empresa de água do estado instalou uma enorme caixa d'água e espalhou sua rede pelos bairros mais centrais,na minha região não chegou porque a gente morava  mais afastado e usá-vamos água de cisterna.
Com o passar do tempo a usina prosperou e então comprou cinco enormes carretas,depois escolheu entre os seus motoristas os que iriam dirigi-las,o primeiro foi o João,ele era amigo de meu pai e foi quem buscou a primeira carreta,as outras iam demorar um pouco mais pois estavam aguardando as carrocerias.
No dia  que a carreta chegou,todos ficaram impressionados,não era comum carretas rodando por ali,ela era muito grande e dirigindo estava o João,ele ficou famoso por ser o primeiro carreteiro da cidade.Com o passar do tempo as outras carretas chegaram e isso se tornou comum,a cidade continuou prosperando,a energia  elétrica foi colocada em quase todos os bairros;o centro da cidade foi asfaltado,perguntei então ao meu pai se a nossa rua também seria asfaltada,ele disse que primeiro as elites e quem sabe depois o resto;não sabia o que era elite,mas o
resto,sabia que se tratava de nós.
As via
gens das carretas se tornaram frequentes.O João gostava muito de levar sua família com ele;até que um dia em uma curva da estrada houve um acidente,foram jogados pra fora da estrada por um outro caminhão,o João sobreviveu,mas sua esposa e filho morreram ;ficou hospitalizado por um bom tempo e quando finalmente se recuperou,não conseguia mais dirigir,sempre em desespero se entregou a bebida,vendia as coisas de sua casa e gastava em cachaça,até que por fim vendeu a casa e mais uma vez gastou tudo em bebida.Passou a morar na rua não tomava banho e urinava nas próprias roupas,carregava sempre um pau e no ombro um saco sujo onde guardava as coisa que lhe davam,seu cheiro era horrível e podia ser sentido a metros de distância,a molecada corria em volta dele e puxava o saco sujo que carregava nas costas,gritando João jiló,apelido que tinham dado a ele por causa do saquinho de jiló que sempre carregava,porque ele fazia assim;tomava a cachaça e comia o jiló,dizia que era o tira gosto,quando a molecada  passava,rodava o pau e de vez em quando acertava um,mas na maioria das vezes só sentava no chão e chorava,primeiro clamando por sua esposa e filho e depois reclamando,por ter sido mandado embora da usina sem que nada lhe fosse pago.O João vivia agora esmolando pela cidade,pedindo comida nas casas,as pessoas lhe davam o alimento e água mas diziam que não precisava devolver o prato e o copo.Sua parada favorita era em frente a casa do dono da usina,até que um dia se aborreceram com ele e chamaram a policia,levou vários golpes de cace tete e foi jogado na traseira do camburão,partiram então rumo  a delegacia,mas o joão fedia tanto que o sargento decidiu soltar ele no meio do caminho,lhe dizendo no entanto que era pra ele sair da cidade e que se voltasse iriam matá-lo.O João então decidiu ir embora sendo visto pela última vez próximo a caixa d'água já na saída da cidade.Depois disso o João nunca mais foi visto.
Dias depois houve uma epidemia de diarreia  na cidade,mas estava acometendo mais as pessoas que moravam no centro e também a molecada que estava em idade escolar e estes foram os primeiros a desconfiar da  água,pois ela estava com cheiro e gosto ruim,sendo assim começaram a investigar.Primeiro foram até o rio onde era capitada à água e nada encontraram,na estação de tratamento estava tudo bem,então resolveram examinar a caixa d'água,finalmente descobriram o motivo,havia um corpo lá dentro,já em avançado estado de putrefação.não dava pra saber quem era,mas quando o corpo foi retirado viram que se tratava do João.o mesmo João que era humilhado por todos.E foi assim,
passamos vários dias bebendo água de defunto;água do João,alguém que em vida não suportávamos nem mesmo seu cheiro.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

OS TRÊS PROVÉRBIOS

Havia uma vila cercada por várias pequenas fazendas;em uma dessas fazendas,morava um jovem casal,a moça era doce e submissa,o homem no entanto já se mostrava grosseiro e autoritário.
Um dia chegando em casa do trabalho,o homem tomou banho e pediu por suas roupas,quando sua jovem esposa lhe entregou as mesmas,este por sua vez disse que estavam mal lavadas;agarrou a jovem pelo braço exigiu que ela pegasse todas as roupas,levou ela até a beira do rio e ordenou que lavasse tudo novamente.Enquanto ela lavava,era agredida com palavras e tapas,que marcavam seu corpo e sua alma.
Passado alguns dias as marcas ainda não haviam desaparecido por completo,mesmo assim ela pediu para visitar sua mãe,ele ficou pensativo,por fim resolveu levá-la,pois já havia muito tempo que não iam até lá e não queria que a velha cobra,como ele mesmo a chamava,viesse até sua casa,pois uma cobra por melhor que seja ainda é uma cobra.Chegando na fazenda da sogra deixou sua esposa e disse que ia pra vila,procurar por seu cão desaparecido,pois já havia procurado por toda a redondeza e não o havia encontrado.
Na casa de sua mãe a jovem conversava tentando esconder seu rosto,mas sua mãe já havia percebido as marcas e lhe pediu que contasse o que havia ocorrido,a jovem ficou relutante,mas como se tratava de sua mãe acabou por contar os fatos,por fim perguntou o que ela pensava a respeito;a velha senhora pensou por alguns minutos e disse que o que acontece uma vez pode nunca mais acontecer,mas o que acontece duas vezes,acontecerá  certamente uma terceira.
Enquanto isso na vila,o homem finalmente avistou um cão que parecia muito ser o seu,mas precisou se aproximar mais,pois aquele animal que avistava,era vistoso,diferente do seu,que era magro e todo esfolado,contudo ao se aproximar,percebeu a marca na orelha do animal e teve certeza que se tratava de seu velho cão;havia também um homem que o alimentava, reconheceu-o como o dono do armazém.O jovem disse então ao dono do armazém que aquele animal lhe pertencia,porém o cão respondeu primeiro,rosnando e mostrando os dentes,mas o jovem insistia em ter o animal de volta ,o homem do armazém por sua vez,disse a ele que chamasse pelo animal,e que,se ele atendesse de bom grado,poderia levá-lo.O jovem então chamou pelo cão,mas este ao invés de ficar feliz em rever seu dono,o atacou,mordendo-lhe o braço e se não fosse a ajuda do dono do armazém o animal poderia tê-lo matado.E este disse então ao jovem que fosse embora,pois o animal ficaria ali,porque com certeza passava fome e qualquer pessoa que lhe oferecesse um pedaço de pão,conseguiria afastá-lo de seu dono,que só lhe aplicava maus tratos.
O jovem então não insistiu e foi embora ,amaldiçoando o cão e o comerciante.Ao chegar na casa de sua sogra,as mulheres se assustaram ao vê-lo ensanguentado e se colocaram prestimosas a lhe cuidar as feridas,enquanto que o jovem amaldiçoava a tudo e a todos.Mas só pode voltar a sua casa no dia seguinte,pois havia perdido muito sangue e estava fraco.


Enquanto voltavam pela estrada o jovem esbravejava,amaldiçoando tudo,então começou a culpar sua esposa e mesmo ferido aplicou-lhe algumas cotoveladas o que a fez chorar.Ao chegar na casa o homem continuou à agredi-la,lhe desferindo vários golpes,finalmente exigiu que ela entrasse no quarto,jogou-a na cama e rasgando suas vestes a possuiu como um animal enfurecido.Naquele momento enquanto seu rosto ficava dormente pelas muitas pancadas que recebia de seu marido,seu amor por ele se esvaia como o sangue que escorria pelo canto de sua boca.E assim foi por muitos dias;ela era possuída e maltratada de uma maneira brutal.
Até que certo dia,ele entregou a ela uma quantia em dinheiro e disse que se ele não estivesse ali,ela deveria pagar o mascate a quem deviam pela compra de algumas roupas;nessa hora ela olhou pro dinheiro  e depois de muito tempo,pro rosto daquele que outrora tinha sido seu grande amor.
O viajante chegou bateu á porta e por ela foi atendido,aquele jovem nutria por ela um sentimento e sempre arrumava um jeito de vê-la melhor e puxar  conversa,desta vez assim que ela abriu a porta,ele a cumprimentou e pediu por água,disse a ela que não se preocupasse,que ele mesmo pegaria,pois o pote estava logo ali na sala.Ela já conhecia o jeito atrevido dele,pois por muitas outras vezes esse rapaz já havia lhe feito galanteios;mas nunca tinha relatado ao seu marido,pois conhecia sua natureza violenta;desta vez no entanto,ela não teve vontade de expulsá-lo,pelo contrário,sua voz lhe parecia agradável como uma brisa de primavera.Ele pegou à água e enquanto falava do calor se virou e percebeu as marcas no rosto dela;abandonou a caneca  de água e se aproximou  perguntando-lhe o que havia acontecido;ela nada respondeu,ele disse então que não eram necessárias explicações,pois suas marcas falavam por ela.A jovem não reagiu e deixou que ele  tocasse em seu rosto,sua mão era suave e seu toque carinhoso,Foi então que vieram as palavras,ele lhe pedia que ela fugisse com ele;que seria protegida e amada,até o fim de seus dias.Finalmente sua boca se abriu e ela disse que
aceitava sua proposta, mas com a condição de passar na casa de sua mãe antes,disse também que precisava pegar suas roupas,mas ele disse que não era necessário ,pois roupas, abrigo e amor não lhe faltariam.Ao chegar na casa de sua mãe,ela desceu e relatou o que estava acontecendo,a velha senhora ficou relutante,mas entendeu os motivos da filha e abençoou o casal.E eles sumiram pela estrada.
Horas mais tarde um jovem voltava a sua casa e não mais encontrou sua esposa,já pensando no corretivo que iria lhe aplicar,a procurou por todos os lugares mas não encontrou.As roupas estavam todas ali,nada faltava por isso não se preocupou muito;então decidiu ir até sua sogra.Chegando-lá,perguntou se sua esposa estava,a velha senhora disse que não e perguntou o que estava acontecendo,ele disse que nada,que naquele dia de manhã,havia lhe dado um dinheiro para pagar o mascate e que ela o ficou olhando por um tempo mas nada disse.Naquele momento a senhora disse que quem não compreende um olhar,tampouco há de compreender uma longa explicação.
E assim se foi.
Ela vive hoje na capital com seu marido ,o mesmo que a levou e também seus três filhos frutos dessa união;quanto ao seu ex-marido;vendeu as terras e desapareceu pra nunca mais ser visto.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

ALMAS GÊMEAS

Nessa vida só temos a possibilidade de encontrar nossa alma gêmea uma única vez,mas existem tantos fatores externos para nos cegar que acabamos muitas vezes deixando escapar a única possibilidade de sermos realmente felizes por aqui.
Questões financeiras,carreiras,uma competição na qual não nos inscrevemos mas que somos lançados nela todos os dias. É colocado em nossas mentes que é mais importante mostrar para os outros bens e objetos,do que simplesmente sermos felizes,ficamos tão absorvidos nessa competição,que ficamos cegos e desatentos ao que realmente importa e assim se vão os anos e a juventude,temos a ilusão que somos eternos e que a morte é só para os outros;de repente envelhecemos e o espelho insiste em nos mostrar isso;é ai que a ficha cai ,olhamos em volta vemos  um monte  de coisas acumuladas,mas que na verdade não tem nenhum valor,nem mesmos os filhos que temos,foram feitos com a pessoa certa.
O mais interessante na alma gêmea é que raramente sabemos quando ela chega,mas sabemos exatamente quando foi que a perdemos.